O Fim da Primeira Guerra Mundial e a Declaração Universal dos Direitos Humanos
Em 2018
celebram-se duas datas gradas, muito relevantes a nível mundial: O centenário
do fim da Primeira Grande Guerra e os setenta anos da assinatura da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Existe entre os dois acontecimentos uma relação
que, não sendo óbvia, é sequencial:
Na madrugada
do dia 11 de novembro de 1918, a bordo de um comboio estacionado na floresta de
Compiègne, no norte da França, foi assinado um armistício com a Alemanha, que
pôs fim à Primeira Guerra Mundial e confirmou a vitória da Tríplice Entente e
seus aliados.
Porém, o que
ditou oficialmente o términus do conflito foi o Tratado que saiu da Conferência
de Paz de Paris, iniciada nos arredores daquela cidade, em Versalhes, no dia 18
de janeiro de 1919, com a presença de vários delegados, em representação dos
países intervenientes na Grande Guerra.
No âmbito
desta Conferência de Paz, ao fim de cinco meses de negociações, é, então,
assinado, a 28 de junho de 1919, o Tratado de Versalhes. Tratado esse que
entrou em vigor a 10 de janeiro de 1920 e traduziu-se, essencialmente, na
imposição à Alemanha (em virtude de esta ter sido considerada a grande
responsável pelo confronto), de várias e duras sanções, de índole económica,
política e militar. De entre elas, destaca-se o pagamento de uma indemnização,
sobretudo à França e à Inglaterra, no valor de 269 biliões de marcos; O
controlo externo de algumas das suas regiões; Devolução de territórios à França,
Polónia e Dinamarca; Redução significativa do número de militares ativos, no
exército e na marinha; Extinção da aeronáutica; E impossibilidade de produção
de armamento pesado.
Mas, o Tratado
de Versalhes ambicionava muito mais do que, apenas, penalizar o grande perdedor
do confronto. Criar uma organização mundial, com o escopo de manter paz e
garantir a segurança internacional, foi um dos seus grandes ensejos. Nesse
âmbito, e com esse propósito, a primeira parte do Tratado institui a Sociedade
das Nações (ou, para os ingleses, a Liga das Nações).
Esta
Organização visava garantir que nenhum país pronunciaria uma declaração de
guerra, sem que, antes, tivesse envidado todos os esforços, junto do Estado
agressor, para chegar a uma solução pacífica de eventuais desentendimentos.
Acontece porém
que, ao mesmo tempo que colocou um fim na Primeira Grande Guerra, o acordo
estabelecido no Tratado de Versalhes acendeu o rastilho para o conflito armado
que se seguiu.
O decurso da
guerra e as penalizações posteriores que lhe foram impostas deixaram a Alemanha
devastada e profundamente ofendida no seu orgulho nacional. Estes fatores,
aliados à recessão da economia estadunidense (provocada pelo crash da bolsa de
Nova York, em 1929, e que, rapidamente, se estendeu a toda a Europa), potenciaram
o surgimento de movimentos que defendiam a instituição de um Estado fortemente
armado e interventivo, em todas as áreas da sociedade e nas suas relações
externas. É este sentimento coletivo que permite, em1933, a chegada ao poder de
Adolf Hitler, com amplas ideias expansionistas e de reconquista, militar, dos
territórios perdidos.
Neste
contexto, a 1 de setembro de 1939, a Alemanha invade a Polónia e dá, assim, o
mote para o início da Segunda Guerra Mundial.
Estava, deste
modo, demonstrado que, a Sociedade das Nações, fundada cerca de vinte anos
antes, não tinha conseguido por em prática o seu grande objetivo: Manter a paz
e evitar futuras contendas. Esta inépcia, demasiado evidente, acaba por ditar o
seu fim, em 1942 (embora, apenas em 1946, com a passagem oficial das suas responsabilidades
para a nova entidade, que entretanto foi fundada – a ONU -, a possamos
considerar definitivamente extinta).
A barbárie a
que o mundo ficou exposto com a decorrência desta calamidade, provocou, nos
países Aliados da Segunda Guerra Mundial, a vontade de fundar uma organização
mais forte do que a Sociedade das Nações, capaz de impedir que tamanha
violência se prolongasse e voltasse a repetir-se. Assim, a 12 de Junho de 1941,
numa conferência realizada em Londres, foi assinada uma Declaração que
estabelecia a imperiosa necessidade de trabalharem unidos, com outros povos
livres que quisessem juntar-se a essa causa, tanto na guerra como na paz.
Esta foi a primeira
de várias conferências, que serviram para acordar as bases ideológicas sobre as
quais deveria assentar a cooperação internacional, e que culminaram, em 24 de
outubro de 1945 (logo após o final da Segunda Grande Guerra), com a fundação,
através da ratificação da Carta das Nações Unidas pelos países signatários, da ONU
(Organização das Nações Unidas).
Conforme pode
ler-se no n.º 3 do artigo 1.º da Carta, além da manutenção da paz e da
segurança, do desenvolvimento das relações e da igualdade entre os vários
Estados, e do direito de disporem de si próprios, um dos grandes objetivos da
ONU é, também, estimular o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades
fundamentais.
Para que os
intentos de promoção e defesa desses direitos e liberdades se concretizassem,
foram elaborados, no seio da Organização, vários instrumentos internacionais.
Nesse
horizonte, em dezembro de 1948, menos de três anos após a assinatura da Carta,
é proclamada, mediante a Resolução 217 A (III), pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, reunida em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH), como forma de manifestação da “[...] fé nos direitos fundamentais do
homem, na dignidade e no valor da pessoa humana” (cfr. preâmbulo da
Declaração), e que, ao longo de trinta artigos, descreve os direitos e liberdades
fundamentais, de que todas as pessoas, sem qualquer tipo de discriminação,
são titulares.
Ao criar as
bases filosóficas fundamentais capazes de enunciar uma definição global da
dignidade e dos valores de toda a família humana, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos tornou-se, desde a sua fundação, num dos mais importantes
documentos internacionais sobre direitos do homem. Tendo sido, como se disse,
adotada através de uma Resolução da Assembleia Geral (que, nos termos do artigo
13.º da Carta das Nações Unidas, tem apenas poder para promover estudos e fazer
recomendações), não tem, do ponto de vista formal, natureza jurídica
vinculativa. No entanto, e como refere Mary O`Rawe, “na prática, a Declaração
tornou-se uma norma de direito consuetudinário internacional, através de referência
constante, e pode agora ser considerada obrigatória” (1999, pág. 43). Esta
ideia acabada enunciar é, de facto, pacificamente aceite, já que, desde a sua
criação, até aos nossos dias, o documento tem servido de modelo a convenções,
tratados e pactos de direitos humanos juridicamente vinculantes, tem funcionado
como influência significativa e como padrão para cidadãos e governos, e tem
sido uma verdadeira inspiração para entidades, nacionais e internacionais, que
pretendem proteger e realizar os direitos do homem e suas liberdades
fundamentais.
A Primeira Guerra
Mundial teve início a 28 de julho de 1914 e terminou no dia 11 de novembro de
1918, sendo o caminho feito depois dela, através de várias circunstâncias que
se cruzam e entrelaçam, o “responsável”, trinta anos depois, pela assinatura da
DUDH, que, com todos os seus defeitos e virtudes, continua a ser considerada um
dos mais respeitáveis instrumentos de direitos humanos a nível mundial. A
Declaração faz setenta anos. Com toda a propriedade, bem pode festejar!
Isabel Alves Pinto
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Este artigo foi publicado no dia 6 de fevereiro de 2018, na edição nº 697 do Jornal Ação Socialista Digital (https://www.accaosocialista.pt/?edicao=697#/ver-opinioes/697/o-fim-da-primeira-guerra-mundial-e-a-declaracao-universal-dos-direitos-humanos), e na Revista do CLEPUL - Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, nº 38, setembro de 2018 (https://pt.calameo.com/read/0018279775c7a89c8fe3f?fbclid=IwAR0D0T8k_ogiFrYIEIY7dYPf6_Ago7NeSUax4khq-oOsEqGuylO3dyLJVco).
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