“Forças Vivas”, “Referências” e “Candidatos Naturais”, somos todos nós
Entrei na Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra no fim dos anos 80, numa época
em que os Partidos faziam grandes investimentos financeiros em campanhas para a eleição da presidência da Associação
Académica e para a eleição dos Órgãos de Gestão
de cada faculdade, pois, aquela Academia,
funcionava como amostra, prenúncio e antevisão do que, em termos políticos, sucedia a nível nacional. O partido capaz
de conquistar os estudantes de Coimbra, muito
provavelmente, ganharia as eleições
seguintes no país.
Viviam-se tempos em que aquela Instituição, sobretudo a
Faculdade de Direito, era muito
politizada.
Logo no meu primeiro ano de Coimbra, fui convidada para
integrar a lista apoiada pelo
CDS, e, mais tarde, para fazer parte da lista do PSD, tendo, gentilmente, recusado ambas, por não me irmanar com as
ideologias exclusivamente liberais.
Quando estava no 3º ano do meu curso, fui aliciada, na
eleição para os Órgãos de Gestão da
Faculdade, para a tradicional Lista C, que era afeta ao Partido Socialista.
O convite foi-me dirigido, disseram-me muito mais tarde,
porque eu era uma cara bonita e
popular. Além de “enfeitar” a Lista, tinha um grande grupo de amigos, pelo que, na visão dos experts na matéria, levaria com certeza muita gente a votar.
Aceitei o desafio por motivos bem diferentes: Apesar de, na
altura, não ser filiada, considerava-me
socialista e, além disso, acreditava, e
ainda acredito, que é através da política que se podem construir sociedades mais justas e equitativas.
Fui, já se sabe, colocada estrategicamente na primeira linha
dos suplentes, onde aparecem aqueles que
servem exclusivamente para a conquista do
voto. Esse facto não me incomodou minimamente, fazia parte de uma equipa com a qual me identificava e, só
eu o sabia, estava lá para trabalhar, desinteressadamente,
como sempre o fiz.
Tornei-me, como se dizia (e, pelo visto, ainda se diz), numa, “Referência” numa “Força Viva” da Academia e numa
“Candidata Natural”. Epítetos que sempre contestei,
por os considerar desajustados, desatualizados,
pouco inclusivos e sem sentido.
Nas eleições que se seguiram, já fazia parte do chamado
“núcleo duro”, elaborava programas
e definia estratégias, figurando, por opção minha, no terceiro lugar da Lista. Conquistámos, nesse ano,
uma vitória retumbante, creio que foi a
maior de todas. Dos 4 alunos que tinham assento
no Conselho Diretivo da Faculdade, 3 foram eleitos pela Lista C.
As eleições para o Senado da Universidade, em que participei, aconteceram em 1994, estava eu no 5.º ano da
faculdade, e era, seguindo a mesma terminologia,
a “Candidata Natural” da Lista C. Encabecei-a,
orgulhosamente, e fui eleita. Mas foi uma disputa acesa e que deixou muito para contar (ficará para outra ocasião).
Concorreram 5 Listas, uma afeta ao PSD,
outra ao PCP e, além da Lista C, concorreram
mais 2 Listas com ligações ao PS: Uma encabeçada pelo Fernando Rocha Andrade (Secretário de Estado dos
Assuntos Fiscais até há poucos meses), e
outra pelo Paulo Penedos (arguido no processo Manuel Godinho), que era, à época, líder da JS de
Coimbra (a Lista C, por divergências
internas na JS, tal como nas eleições anteriores, tinha concorrido como independente).
Com esta eleição passei a ser, juntamente com o candidato
eleito pelo PSD, representante
dos estudantes de Direito no Senado da Universidade,
que é o órgão máximo daquela Instituição. Tarefa que desempenhei, até ter terminado a licenciatura, com a
dedicação e o zelo que me era reconhecido
(substitui-me o meu querido amigo Bento Miguel
Monteiro, atualmente na carreira diplomática).
Mantive-me na política mais algum tempo (pouco), até ao dia
em que, confrontada com alguns factos que agora
não interessa considerar, lembro-me de
ter pensado: “Se isto é política, eu não quero fazer parte”. E, do mesmo modo desprendido que entrei,
também, saí.
Agora, fico um pouco desacorçoada ao perceber que, volvidos
tantos anos, conceitos e terminologias que já
na época estavam ultrapassados, por exprimirem
uma segregação que não pode ser aceitável, continuam a ser usados com grande convicção, pois, tenho ouvido
alguns políticos referirem se, de modo
recorrente, às “Forças Vivas”, às “Referências” e aos “Candidatos Naturais”.
Todos os homens são iguais, e, essa certeza, não é nenhum
tipo de concessão ou favor que se pode fazer a
alguém, é, simplesmente, um direito
natural de toda a família humana, que, além disso, se encontra clara e formalmente inscrito na Constituição da
República Portuguesa e numa série de
Declarações e Tratados Internacionais ratificados pelo nosso país. O princípio da igualdade garante que
todos, sem qualquer tipo de discriminação,
têm o direito de participar na vida política da comunidade, e o princípio democrático acautela que não há eleitos sem
eleições. Destarte, as “Forças Vivas”, as
“Referências” e os “Candidatos Naturais”,
somos todos nós.
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